Logo, Kelda e "Hár" davam a volta em um pequeno morro, chegando à
aldeia de Barkhän, onde construções nórdicas típicas se levantavam ao lado de
ruas de terra batida. Hár logo notara que todas as casas, desde a taberna até
as cabanas de famílias, tinham cabeças de auroques, grandes touros selvagens
nativos da Europa, talhadas na madeira das vigas que saíam da frente dos
telhados. No cais próximo a costa rochosa, um grande drakkar de vela azul e
dourada estava ancorado, enquanto a tripulação entrava nele “Vamos garotas!”
dizia um homem, provavelmente o capitão “É uma longa viagem e muitas coisas
para ver!” Hár logo viu três moças carregando pesados baús, sem dificuldade
alguma, até a embarcação. Uma das mulheres, que aparentava ter uns quarenta
anos, com longos cabelos ruivos e olhos azul ciano, correu até outra, um pouco
mais velha, com cabelos castanhos claros curtos e olhos verdes, e lhe deu um
caloroso abraço “Nos veremos na volta” disse a mulher ruiva “Se cuide, irmã...”
A mulher de cabelos curtos abraçou a irmã ainda mais forte, com algumas
lágrimas no rosto “Eu só queria que ele vivesse para ver vocês voltarem”
sussurrou ela “Ele é tão pequeno... Não merece morrer assim...” “Se as
fiandeiras têm compaixão” disse a ruiva “Balder
vai viver por mais tempo... Assim nós esperamos...” “Vamos mãe!” disse uma
jovem muito bela, de cabelos loiros e olhos violeta “O mundo nos espera...” A mulher
ruiva deu um beijo na testa da irmã e correu de volta ao drakkar, enquanto seu
marido levantava a âncora com a ajuda de outro homem, com um grande bigode
loiro “Está no comando da pesca até eu voltar” disse o capitão “Sei que seguirá
tudo o que aprendeu...” “Pode confiar em mim, mestre” disse o homem, colocando
a âncora dentro do barco “Não o decepcionarei...” Com a vela içada e os ventos
favoráveis, a família logo zarpou no mar, pronta para conhecer o mundo e suas
belezas “Meu tio e a família” disse Kelda, levando Hár por entre as casas de
madeira e palha “Um grande navegador e pescador... Mas acho que não o veremos por algum
tempo...” Os dois continuavam a andar pela aldeia, chamando a atenção de alguns
curiosos, já que o andarilho era um forasteiro. Mas o casal nem parecia ligar.
Seu olhar estava fixo em Kelda e seus lindos cabelos que tremulavam enquanto
ela andava. Era certamente uma das mais belas visões que o Criador já vira em
sua vida. E notem que, pela idade, Ele deveria ter visto mais coisa do que
qualquer pessoa que se diz vivida...
“Ali está” disse ela, apontando para uma
cabana que não era exatamente a mais vistosa “Meu pai deve estar me esperando...
Venha...” Dentro da cabana, Hár avistou centenas de armas, escudos, jóias e
anéis pendurados nas paredes de madeira, além de um grande forno onde queimava
um caldeirão borbulhante, que cheirava a ervas e carne de rena. Tanto os
objetos nas paredes quanto uma segunda fornalha com brasas vermelhas e uma
grande bigorna com um martelo em cima denunciava o ofício do pai de Kelda
“Pai!” disse a moça “Eu trouxe visita...” De trás de uma porta de madeira, saiu
o homem de grande bigode e cabelos castanhos claros que ele vira na noite
anterior “Sem querer ser rude minha filha” disse ele, num tom triste “Mas hoje
eu não quero ver ninguém...” “Chefe guerreiro” disse Hár “Eu não quero
incomodá-lo... Sua filha me disse que precisava de ajuda... Se me permitir usar
sua ferraria, depois de terminar eu posso passar a noite em outro lugar...” O
ferreiro de um suspiro cansado e logo foi em direção a um grande baú, onde
remexeu vários pedaços e metal “Aliás, andarilho” disse ele “Pode me tratar
como Magnus...
E filha, poderia trazer uma caneca de hidromel ao nosso convidado?”
Kelda logo se apressou até perto de um dos barris, onde encheu três canecas de
madeira com um liquido dourado e grosso, com um cheiro delicioso. Enquanto ela
a oferecia a Hár, Magnus tirou um grande pedaço de metal fosco, de cor
prateada, que parecia ter sido esmagado pelos pés de um gigante como se fosse
um inseto “Achei bruto numa caverna perto daqui” disse Magnus, o colocando
sobre a bigorna “É bem leve, mas por incrível que pareça, nem eu nem meu
aprendiz conseguimos sequer entortá-lo mesmo quando quente...” Hár pegou o
metal e o segurou contra o peito, como se fosse uma espada apontada para baixo
“Leve de fato” disse ele “Mas acho que não serviria para espada... Machado
talvez...” “Vejam o que farão” disse o ferreiro, vestindo uma capa avermelhada
com capuz “Aonde o senhor vai?” perguntou Kelda “O vento está ficando forte...”
“E é por isso que vou até a taberna” disse o chefe guerreiro “Orkhon quer me
mostrar o novo vinho que veio dos Sølvfolken...
E tenho assuntos importantes a tratar com Vrthaf sobre a pesca... Acho que não
verei vocês até amanhã...” “Ficaremos
bem” disse o andarilho “Obrigado pela sua hospitalidade...” “Não foi nada!” disse
ele “Um homem do norte tem de ser hospitaleiro e tratar bem seus convidados...
Até amanhã!” O chefe guerreiro saiu pela porta da frente, deixando um pouco das
folhas que se renovavam nas árvores entrar “Alguma ideia do que faremos com
isso?” perguntou Har, se dirigindo para a bigorna “Uma arma talvez...” afirmou
Kelda “Algo especial... Um machado de guerra...” “Gosto do seu jeito de pensar,
minha cara Kelda” disse Deus, fazendo a moça corar um pouco. Vestindo grossas
luvas de couro de dragão roxo e aventais, os dois logo começaram a forja.
Aquecendo-o sobre as brasas quentes, o metal se tornou incandescente e
vermelho. Apesar de usar toda a sua força, Kelda não conseguia sequer retirar
uma faísca do metal com o martelo. Quando o passou para Hár, no entanto, algo
ocorreu. Ela via no fundo dos olhos dele a determinação. Quando ele levantou o
martelo no ar, um raio caiu ao longe, seguido de um poderoso trovão. Ao olhar
para o metal, Kelda viu que ele finalmente estava reto “Conseguiu?” ela
perguntou “Eu não acredito... Você conseguiu!” Ela logo rodopiou no pescoço de
Deus com um abraço “Acalme-se” disse Ele “Isso era só para testá-lo... Ainda
temos que derreter e moldar...” A tarde foi passando enquanto os dois
conseguiam finalmente transformar aquela coisa em algo realmente funcional.
Perto do crepúsculo, os dois finalmente tinham terminado. Era um grande machado
de guerra de duas faces, com um longo cabo revestido em aço “Por que não testa
o corte?” disse Kelda, suada e suja de fuligem, assim como Hár. Deus logo puxou
uma das toras usadas como lenha. A lâmina desceu com tanta precisão e força,
que a madeira se partiu no meio sem nenhuma ranhura ou defeito. Ambas as
metades estavam completamente lisas “Leve” disse Deus, observando o metal
brilhante com atenção “Corte perfeito... Empunhadura firme... Você é realmente
uma artista...” “Não teria conseguido sem você” disse ela “Obrigada... mesmo...” Deus apenas deu um leve sorriso “Se
me permite” disse Ele “Vou procurar um canto para mim... Boa noite...” “Se
quiser” ela disse “Minha tia é dona de uma estalagem aqui perto... A casa maior
com o caminho de pedras... Basta dizer que me conhece ou ao meu pai. Garanto que
será bem recebido...” Ele apenas deu um leve aceno de cabeça e saiu pela porta.
O vento estava um pouco mais forte e as estrelas cobriam o céu quase que por
completo. Har, segurando seu chapéu, logo avistou a estalagem. Ele andou pelo
caminho de seixos cinzentos até a grande porta de madeira de lei. Antes de
bater, Ele deu uma olhada para trás, para a ferraria onde Kelda estava. Será
que ela o amava como Ele fazia? Essa era uma dúvida cruel que meio que o
consumia por dentro...