Ao bater na porta da estalagem, o
andarilho logo foi atendido. Mas não era bem o que esperava. Era um menino, de
uns sete anos, com olhos azuis como o céu e cabelos castanhos claros “Boa noite
rapaz” disse Hár, colocando o chapéu no peito “A sua mãe está em casa?” O
garoto não conseguia para de olhar para Deus, como se soubesse que Ele era uma
presença importante “MÃE!” disse ele, fritando para dentro da grande casa “Tem
um mago aqui na porta! Eu posso pedir alguma coisa pra ele?” Deus se forçou
para não rir da inocência da criança e se abaixou para perto dele “Depende”
disse Ele, entrando na brincadeira “O que você quer ganhar?” “Um cavalo” disse
o menino, todo animado “Nãnãnãnão... Um Ögruman! Não! Um bisão! Não... Um
dragão! Isso! Eu quero um dragão branco!” “Dragão?” disse Deus “E branco ainda
por cima? Não acho que posso conjurar um grande o bastante para alguém que me
parece tão corajoso... Sempre pronto para salvar a sua donzela amada...” “Nada
de donzelas amadas!” disse o jovem, apertando os olhos e mostrando a língua “As
meninas são nojentas! BLARGH!” “Tem certeza disso?” disse uma voz doce e
gentil. Quando Hár se levantou do chão, se deparou com a mulher mais
estonteante que Ele já vira. Quase tanto quanto a própria Kelda. Era a mesma mulher que Ele vira se despedindo
da caçadora ruiva, com cabelos curtos e olhos brilhantes, além de usar um
belíssimo vestido vermelho sangue, que acentuava ainda mais as belas curvas seu
corpo “O que eu posso fazer pelo senhor?” ela disse, enquanto Deusa se
recuperava de tal visão “Permita que eu me apresente” disse Ele “Eu sou Har, O
Altíssimo... Sou amigo de Kelda, e ela disse que a tia dela tinha um quarto
vago...” A mulher apenas assentiu e deu passagem para o andarilho “Por favor”
disse ela, com um leve sorriso “Entre. A propósito, eu sou Frigga, e este é o meu
filho, Balder.” O menino fechava a porta enquanto subia uma grande
escada de madeira “A senhora vai me contar uma história esta noite?” perguntou
o Balder “Eu já estou indo” disse ela “Vá se aprontar e esteja na cama quando
eu voltar...” Balder foi correndo para o quarto, deixando os dois sozinhos na
grande sala de entrada, com uma lareira onde queimava um pouco de lenha “Cama?”
perguntou o andarilho “Não é meio cedo para ir para cama?” Frigga deu um leve
suspiro triste e olhou para o fogo “Ele pode parecer normal e feliz...” disse
ela “Mas vários xamãs viram um enfermo misterioso nele já há cinco anos, pouco
antes do pai morrer...” “Eu sinto muito” disse Hár “Eu queria poder fazer
alguma coisa...” “Pelo que eles disseram” disse a viúva, já com lágrimas nos
olhos “Não há nada que ninguém possa fazer por ele... Só esperar que a morte
venha até ele e o mande para Helheim...” Frigga se desabou a chorar na poltrona
em que sentara. Hár se abaixou e ficou próximo da poltrona, abraçando a dama de
vermelho “Tudo vai ficar bem” disse Ele, limpando as lágrimas dela e apontando
a mão aberta apara a lareira “Eu vejo no fogo... A alma de seu filho... Sim, o
jovem Balder irá para Helheim, pois ele morreu de doença... Mas a dama que lá
habita... aquela que é justa... que pune os que trazem caos e cuida dos que
inocentes... Ela cuidará da alma de seu filho... Pois as Nornas reservaram um
grande destino para ele... Algo que fará você, seus ancestrais e descendentes
se orgulharem...” “É isso o que você vê?” ela perguntou, olhando para o fogo
alaranjado “Você é um xamã?” “Pode-se dizer que sim” disse Hár “Só uma
pergunta... A senhora já comeu?” “Não” disse ela “Eu dei a janta para Balder e
acabei me esquecendo...” “Pois então suba até seu filho” disse Ele “Ele clama
por uma história... Eu cuidarei do jantar...” Frigga apenas deu um leve sorriso
e subiu correndo as escadas. Deus sentou-se confuso na poltrona onde antes ela
estava. Tudo girava na cabeça dele. Por um lado, Kelda era bela e jovem, mas
Frigga parecia ser uma mulher incrível, não só por ter uma beleza fora dos
padrões, mas por que ela era mais velha, era uma mulher madura e experiente,
enquanto Kelda ainda era jovem, mesmo sendo muito inteligente e astuta. Ouvindo
que Frigga estava no fim de sua história para o filho, Hár se apressou. Sobre a
mesa de madeira comprida, Ele fez aparecerem velas com chamas brilhantes, copos
cheios com o delicioso hidromel, um javali médio, assado até o ponto de seu
couro estalar de crocância e a carne soltar dos ossos de tão tenra e macia e um
prato cheio de frutas sazonais cobertas com mel. A moça logo descera a escada e
vira a refeição deliciosa na mesa “Nossa” disse ela “Eu não esperava tudo
isso... E nem tão rápido...” “Isso não importa” disse Hár, puxando a cadeira
para ela “Sente-se... Você parece faminta...” Os dois logo se sentaram e
começaram a devorar o javali, como se não comessem há dias. O hidromel em seus
copos parecia não ter fim e as frutas eram com certeza as mais doces e
deliciosas que ela já havia comido. Um tempo se passou e a lua já brilhava alto
no céu, enquanto Frigga e Hár deitavam no sofá coberto de peles, por pouco que
não estavam bêbados de tanto hidromel que tomaram “Você é um homem notável,
Hár” disse ela “Eu nunca pensei que um homem tão grande pudesse fazer algo tão
bom...” “Obrigado” disse Ele, virando o rosto para olhar a tia de Kelda nos
olhos “Mas se há alguém notável aqui é você... Eu jamais vi tamanha beleza em
toda a minha vida, como se tivesse sido esculpida pela própria Freyja pensando
em criar uma gêmea para ela... Sua voz parece o canto dos mais belos
pássaros... E seu gênio é típico de uma mulher forte e independente, que não
mede esforços para proteger aqueles que ama...” Frigga corava um pouco, olhando
o andarilho no fundo dos alhos azuis “Não precisa de um homem para mostrar quem
você é” disse Hár “Não precisa de ninguém...” Ela apenas o puxou pela barba
para junto de seu rosto corado e suado “Eu preciso” disse ela, ofegante “De
você... É você que eu quero...” Frigga tremia ao juntar seu rosto com o do
Criador, envolvendo os lábios dele com os dela numa apaixonada dança de
línguas. Era quase certo que Deus tinha escolhido sua amada naquele momento, em
frente à lareira fraca naquela noite de verão nórdica...
O dia amanhecia com o sol forte e
brilhante. Os ventos sopravam nas ruas da aldeia um pouco mais fracos do que na
noite anterior. Hár acordara deitado no sofá, com Frigga abraçada a ele embaixo
de seu grande manto. Com todo o cuidado do mundo, Ele subiu até o quarto, para
ver se Balder ainda dormia. Voltando para o saguão, pegou a dama em seus braços
e levou para o quarto, onde a cobriu na cama e lhe deu um beijo nos lábios
“Obrigado, minha querida” disse Ele “Nunca esquecerei esta noite...” Ao sair
pela porta da frente, encontrou um homem forte,
de olhos azuis, cabelos castanhos com as entradas da careca aparentes e
uma barbicha desgrenhada,que usava roupas meio que surradas “Saudações” disse o
homem “Espero que a dama Frigga tenha sido bem hospitaleira...” “De fato” disse
Hár “Ela é encantadora... Seu povo sabe como receber um convidado...”
“Hospitalidade é uma das virtudes dadas a nós pelos ancestrais e os deuses”
respondeu o homem calvo “Seria um crime se não o fizéssemos...” “Sim...”
concordou Deus. Do nada, um estrondo foi ouvido no horizonte, seguido de um
forte rugido que fez todas as construções tremerem. Os dois logo viram Magnus e
Kelda, armados com elmos com chifres, escudos, manguais e espadas “Hár!
Tröktar!” disse Magnus “O que estão fazendo aí parados? Venham!” Os dois
correram atrás do chefe guerreiro e sua filha á toda velocidade, até que
chegaram ao sopé da colina, que dava para uma grande planície “Pelas barbas de
Týr!” disse Trötkar “É imenso...” A fera dona do rugido era realmente grande:
um dragão oriental, de corpo longo e musculoso, coberto de escamas vermelhas
escuras cobertas de marcas negras, como se fossem tatuagens, e uma fileira de placas marrons pontiagudas que ia do pescoço ao fim da
cauda, com uma grande juba negra atrás de sua cabeça comprida, quase do tamanho
da casa que havia no topo da colina, de onde brotavam aterradores chifres
marrons curvados para trás e grande olhos alaranjados embebidos em fogo. A fera andava pela
relva, matando qualquer criatura apenas com o peso de seus passos. Ela olhava
fixamente para os homens ali presentes, mas se mantia mais atento a Hár, como
se já o conhecesse “Não” pensou o andarilho “Não pode ser...” O dragão gigante
deu um leve sorriso sem mostrar os dentes, demonstrando sua satisfação. Quem
seria ele? E qual seria o tamanho de sua ameaça?