Houve algumas vezes em que o
Criador ao mundo dos mortais para andar entre suas criações e, quando o
fazia,usava disfarces discretos, ou mesmo aparentemente imperceptíveis aos
humanos, que já se achavam os donos do mundo que mal conheciam por inteiro. Os
motivos pelos quais Deus descia a Terra poderiam ser vários: Por que Ele vira
que um povo precisava de proteção, ou de alguém que fizesse a diferença. Mas
chegou um dia, em que uma voz conhecida ecoou em sua cabeça “Ele voltará Irmão... É bom se
preparar para a batalha que há de enfrentar...” Essas mesmas palavras ecoaram por
dias na cabeça de Deus, até que Ele finalmente decidiu segui-las. Em meio aos
Céus, onde fizera sua morada na Terra, fez surgir um grande portal dourado “Por
que desejas descer desta vez, ó Senhor?” disse a voz do porteiro, Pedro, um homem de barba e cabelos
castanho acinzentados, vestido com uma túnica e usando um elmo com uma cruz
gravada em sua fronte de metal brilhante “Ó poderoso porteiro” disse o Criador
“Recebo mensagens em minha mente que pedem para serem atendidas com urgência...
Tu permitirias minha descida a Terra mais uma vez?” “De sua última ida ao mundo
dos Mortais” disse Pedro, preparando a grande chave dourada em seu pescoço
“Trouxeste um salvador para o meu povo... E quem seria eu para impedir a Ti de
descer ao mundo que criaste com as próprias mãos? Vá... Atenda ao pedido...”
Deus se ajoelhou diante do porteiro, que abriu o grande portão dourado.
Transformando-se numa águia branca, o Criador descia para a Terra. Atrás Dele,
os portões dos Céus se fechavam, deixando o Paraíso mais uma vez incógnito na
atmosfera, sem que ninguém pudesse vê-lo. A grande águia voava pelo céu
azul, sentindo os ventos em suas penas alvas como a neve. A voz que ecoava em
sua cabeça parecia o estar guiando para seu destino, onde haveria de enfrentar
alguém. Ele voava de olhos fechados, esperando que quem lhe dera a mensagem
pudesse guiá-lo só com a voz.
A confiança do Criador logo o levou
ao destino. Abrindo seus olhos azuis, Ele se viu pousado no topo de uma casa
enorme, com teto de vigas de madeira e palha reforçada. Indo um pouco mais para
frente, Ele viu onde realmente estava. Era uma grande aldeia nórdica, onde os
homens enormes com barbas respeitosas e as mais belas mulheres que o Criador já
havia visto desmontavam o que parecia ter sido um festival da colheita. Deus
observava os homens e mulheres fazendo suas tarefas, mas havia uma em especial
por quem Ele parecia ter se interessado: Uma linda dama alta, de longos cabelos
negros e com olhos verdes como as florestas. Ele apenas ouviu uma conversa que
ela estava ater com um homem de bigode a cabelos castanhos claros “Não se
preocupe, meu pai” dizia ela, num tom reconfortante “Ele só está irritado...
Tenho certeza que vai passar logo...”, mas o tom de voz do homem era como se
tivesse acabado de perder um filho “Eu não sei filha... Ele parecia brabo de
verdade... Acho melhor deixá-lo em paz por um tempo...” O homem apenas entrou
na casa onde Deus estava pousado, bem como a linda moça “Poderoso Odin” disse ela,
chamando a atenção da ave branca “Se ouves a minha prece, por favor, mande um
sinal... Meu pai precisa de ajuda...” Deus ficara surpreso. Odin era um de seus
muitos nomes, pelo qual os povos nórdicos o chamavam, e um dos que Ele mais
sentia afinidade. O grande pássaro apenas se virou em cima do telhado e se pôs
a dormir. Ele já sabia o que faria quando o sol raiasse no leste...
Um novo dia nascia, com o
vento soprando um pouco mais forte, trazendo várias folhas do bosque próximo
para as ruas de terra batida da aldeia. Como era de se esperar, a grande águia
de penas brancas ainda estava no telhado, quando ouviu alguém sair pela porta
da frente. Era a dama da noite anterior, carregando um arco longo e uma aljava
com flechas, se dirigindo para o sul do morro nos limites da aldeia. A grande
ave alçou vôo e a seguiu, chegando num bosque à beira de uma planície coberta
de relva antes dela. Ele logo tomou outra forma. Um homem de barba e cabelos
grisalhos e desgrenhados, que usava um chapéu de abas largas e um manto escuro,
se apoiando num cajado “Muito bem, Deus” disse o Criador para si mesmo “Tente
não chamar a atenção...” Do nada uma grande flecha zuniu na frente dele quase
que acertando seu nariz “Quem vem lá?” disse uma voz feminina “Responda ou não
terei receio em acertar o alvo...” “Por favor, minha jovem!” disse Deus,
levantando os braços em sinal de rendição “Não quero fazer mal a ninguém... Sou
apenas um humilde andarilho... Tenha piedade...” Deus logo sentiu alguém tocar
seu ombro e o virar para o outro lado com uma força comparável a Dele próprio
“Qual seria seu nome, ó andarilho?” disse a moça, a mesma que Ele vira na noite
anterior consolando o pai “Sou Hár,
O Altíssimo” disse Ele “Como poupou minha vida, é justo que Eu lhe dê
algo em troca...” Ele esperava resposta, mas a moça ficou hipnotizada pelos
brilhantes olhos azuis do andarilho, assim como Ele ficara pelos dela,
que brilhavam como esmeraldas recém-lapidadas. Os dois ficaram se olhando por
algum tempo, até que Hár quebrou o silêncio “Há algo que Eu possa fazer por ti,
dama arqueira?” “Kelda” disse ela “Eu me chamo Kelda Corvo da Noite...”
“Um belo nome para uma bela mulher...” Ele respondeu, fazendo-a corar “Então,
Kelda... Possui uma tarefa para me oferecer?” A moça se afastou um pouco e
olhou Deus de cima a baixo “Você parece ter bastante força nos braços” disse
ela “Já teve alguma experiência com ferraria?” “Um pouco” disse Ele “Por quê? ”
“Venha comigo” disse ela “Quero que veja uma coisa...” Ela segurou o mão enorme
de Deus e o arrastou para fora da floresta e pela planície verdejante. A
paisagem era, de longe, uma das mais belas que o Criador já havia visto fora do
plano imortal de existência. A grama verde, os insetos zunindo, o canto de aves
de todos os tamanhos, o céu azul e o sol brilhando entre as nuvens brancas, o
som do mar batendo nas rochas da costa próxima. Tudo era belo. Mas nada era tão
bonito quanto a visão da moça que o arrastava para a aldeia. Ele logo sentiu um
suor percorrer sua testa, uma tremedeira tomar suas pernas e seu coração bater
mais rápido e com mais força. Ele havia se apaixonado. E pela primeira vez em
muitos anos. Mas seria esse sentimento recíproco?
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